"Die Mensch-maschine" é o nome de um album editado pelos Kraftwerk em 1978, o título traduzido significa "O Homem-máquina"; é um album excelente dos pioneiros da música electrónica nativos de Dusseldorf, mas não é bem disto que quero falar.
Nunca eu pensei em vir a compreender tão bem, sentir assim tão na pele (por assim dizer) uma das frases emblemáticas de um dos grandes êxitos deste album cantada em russo com toda a glória multi linguística própria dos Kraftwerk:
"Я твой слуга,
"Я твой работник"
"Sou o teu servo,
Sou o teu trabalhador"
(Die Roboter – Kraftwerk)
Eles falavam de robots esclareça-se, e é precisamente disso que me lembrei de falar aqui, da robotização implícita na função do operador de Contact Centre.
Li um estudo muito interessante chamado "Operadores de Call Center: Inconsistências e Desafios da Gestão de Pessoas" realizado por José Roberto Gomes da Silva, Maria do Carmo Leite de Oliveira, Rafaello Constantino e Claudio Zaltzman, que aborda muitas das questões que, secretamente, afligem aqueles que dão as vozes pelas empresas. Isso leva-me a falar de algumas coisas por eles referidas do ponto de vista da minha experiência pessoal.
A padronização
Todos os que passaram por uma linha de atendimento estão, em menor ou maior grau, familiarizados com o "script de atendimento".
O script não é mais do que um guião que deve orientar a conversação entre o operador e o cliente; tanto pode ser uma linha geral de orientação, como um conjunto de respostas pré-determinadas a "todas" as questões que o cliente possa colocar.
Na teoria é uma coisa boa, na práctica nem por isso.
Nos sítios onde o script é usado, usualmente os operadores são penalizados - ou avaliados negativamente pelo departamento de qualidade - quando não o seguem, mesmo que isso os obrigue a não responder ao cliente, ou a responder sempre com as mesmas fórmulas .
Isto leva-nos ao problema da padronização que é este: as pessoas não são todas iguais, logo, os clientes não são todos iguais, logo, não falam do mesmo modo nem reajem do mesmo modo às respostas.
Se por um lado é positivo uma empresa manter um conjunto de resposta coerentes, não deixando a cargo da capacidade de improviso dos operadores as respostas, por outro isto faz com que os operadores se sintam - de modo consciente, ou não - aprisionados dentro de um vocabulário limitado que obviamente não cobre todo o espectro das emoções humanas.
Privando os operadores da sua humanidade linguística prejudicam-se os clientes que sentem que estão a falar com uma máquina (quantos de nós não ouvimos isto mesmo, pelo menos uma vez na vida?).
Se um cliente calha a colocar uma questão não contemplada no guião, o operador vê-se a braços com o dilema de não responder ou de responder (correndo o risco de ver uma avaliação negativa). Isto nunca pode ser positivo para ninguém creio eu.
Existem depois os clientes belicosos... existem sempre esses infelizmente, e para os operadores que cumpram o script, esses serão certamente os mais temidos na medida em que deliberadamente falam de modo a hostilizar o operador sabendo que este não tem a capacidade de responder nos mesmos termos. Explora a vulnerabilidade do operador que está vinculado ao tal conjunto de respostas pré-determinadas, inócuas e acima de tudo, não emocionais.
Num cenário de atendimento presencial a linguagem corporal do operador bastaria para sanar o conflito. Ora a linguagem corporal é inexistente no atendimento telefónico, e a oral é castrada.
Operador + Linguagem Padronizada = Mau Atendimento
Saltemos para o próximo tópico shall we?
A falta de valorização
As empresas na teoria valorizam os seus empregados e os Contact Centres não são excepção. Nas ofertas de emprego quase invariavelmente se solicita “Espírito de Equipa” bem como “Capacidade de Resolução” como sendo qualidades que o futuro operador deverá ter.
Durante as formações – consoante são melhores ou piores – são realizados jogos que visam fomentar precisamente esse espírito de coesão e de orgulho identitário, o chamado “Amor à Camisola” em bom português.
Depois começa-se a trabalhar e é aí que se compreende que se é só mais um no meio de dezenas (ou centenas) de operadores encerrados em cubículos, ilhas ou pequenas secretárias. Compreendemos que estamos sozinhos.
Falar com o colega do lado é francamente desaconselhado, contrariando todo o espírito gregário natural da nossa espécie e minando o trabalho dos formadores que tentaram criar esses laços num grupo de formandos. Para não falar da aniquilação das sinergias que se podem criar entre elementos novos e antigos de uma empresa.
A “equipa” inicial é agora dissolvida em pequenos indivíduos que se espalham pelos lugares vagos e pela grelha horária.
A equipa é um conceito virtual desprovido de valor real na maioria das empresas.
A equipa é um conceito que dá jeito aos gestores de recursos humanos na medida em que serve para agrupar indivíduos em unidades lógicas: a equipa de back office, a equipa de atendimento, a equipa rosa e a equipa azul, etc.
Da equipa a única coisa que se sabe é que existe um chefe, o chefe de equipa, ou o supervisor consoante as empresas.
Os chefes de equipa são o segundo degrau da hierarquia nos Contact Centres e normalmente são antigos operadores – salvo aqueles que, por artes mágica, surgem sem experiência anterior na função – que foram “promovidos”.
A promoção é outro dos conceitos virtuais que existe num Contact Centre.
Promoção quer normalmente dizer mais umas dezenas (não muito generosas) de euros no salário, mais pressão e menos satisfação pessoal.
Mais Pressão + Menos Satisfação = Frustração
Um chefe de equipa frustrado rapidamente evolui para um chefe de equipa prepotente que abusa do seu recém adquirido poder.
Não é um poder real claro, mas a capacidade de poder negar a ajuda a um membro da “equipa” porque está a combinar o jantar com um familiar, a debater questões extra-laborais com outro chefe ou qualquer coisa deste género rapidamente corrompe os espíritos mais fracos. E espíritos fracos abundam nos dias que correm.
Já se sabe, uma maçã podre estraga um cesto de maçãs boas; um chefe mau aliena muitos operadores bons.
Este degrau da hierarquia, que deveria servir de intermediário entre o operador e a restante estrutura da empresa, é usualmente o maior entrave à participação do operador na vida da empresa.
É este degrau que filtra a informação que deverá chegar ao degrau seguinte.
Ora no degrau seguinte raramente se sabe o que se passa na base da pirâmide, e o segundo degrau zelosamente faz com que este só saiba as coisas boas como o SLA (o malfadado Service Level Agreement) favorável ou o cumprimento dos objectivos.
O degrau seguinte, em empresas de tamanho razoável, é o Chefe/Director de Departamento e é a pessoa responsável por todas as equipas de determinado grupo de funções e seus chefes, embora raramente saiba sequer os seus nomes.
Será pouco razoável pensar que um Chefe deste calibre deva pelo menos saber o nome dos seus subordinados? Trabalhei numa empresa de tamanho razoável onde o Director Executivo não só sabia os nomes dos subordinados como sabia quem compunha os seus agregados familiares(com maior ou menor detalhe). Era, no entanto, uma das excepções da Besta Corporativa que não só fomentava os valores da equipa como os punha em práctica.
Chegamos à parte da valorização do operador...
Esta tem alguma graça até; a ideia de valorizar o operador.
Os operadores são a voz da empresa, são a mão de obra que informa, esclarece e resolve as questões maiores e menores que os clientes apresentam e no entanto, não valem mais do que os seus contratos de trabalho temporário renovados mensalmente.
Porque existe essa realidade mais ou menos velada não é?
É que os operadores (e os seus chefes também) raramente são das empresas para as quais desempenham funções, estando vinculados a empresas de trabalho temporário.
É nesta parte que eu deixo de compreender o porquê de se pregar uma falsa lealdade a uma empresa da qual não se fará parte e na qual não se poderá ter uma participação activa.
Ainda me estão a acompanhar? Eu clarifico:
A empresa “X” para a qual atendem chamadas vai patrocinar um evento que é para vocês é moralmente repreensível. A tendência será manifestar esse desagrado junto do Departamento de Relações Públicas que está a promover o evento. Ao fazê-lo, seremos rapidamente lembrados que deveríamos ter seguido os canais adequados (leia-se o chefe de equipa e o representante da empresa de trabalho temporário) porque, na práctica, não somos filiados naquela empresa mas sim noutra e esses é que ouvem as nossas queixas. Esses, claro está, com sorte até ouvem mas nada farão que possa hostilizar o seu cliente.
A empresa “Y” vai realizar um evento de convívio e actividades de montanha no Gerês, mas a maioria dos elementos da empresa não serão incluídos porque o evento é reservado àqueles que têm um contrato com a referida empresa. Alguns dos nossos colegas de equipa (da nova equipa, da real, a que se forma nas trincheiras do atendimento) até vai ao convívio porque por acaso até trabalha na empresa desde os tempos em que esta ainda não conhecia as empresas de trabalho temporário, e quando voltar do convívio vai mostrar as fotos e falar com entusiasmo do quão espectacular é a empresa “Y” por se preocupar tanto com os seus empregados. Ao fazê-lo, vai estar inadvertidamente (ou não) a alargar o fosso criado entre os que “são” e os que “não são”.
A participação do operador é excluída sistematicamente porque apesar do operador fazer parte do núcleo duro da empresa, o operador não é da empresa.
O operador é só um operador e raramente deixará de o ser (salvo a excepção do Chefe de Equipa, que na práctica é só uma espécie de Operador com outras cores), porque, no final de contas, o que é que um operador sabe? Nada para além do script que lhe deram.
Claro que as suas competências pessoais previamente adquiridas deixaram de existir já há muito tempo, algures durante a formação inicial.
Os Contact Centre promovem conceitos grupais incorrectos que levam a que se gerem conclaves dentros de si próprios que acabam por se tornar não comunicantes.
De quantos casos de ausência de comunicação inter-departamental me lembro? De demasiados para os referir aqui, acreditem.
Todos estes “pequenos” factores contribuem para uma alienação progressiva do operador face à “sua” empresa na medida em que todos estes procedimentos, departamentos e hierarquias virtuais assumem contornos de uma obra de Kafka.
Kafka foi bem lembrado (modéstia à parte) porque ele usava deliberadamente na sua produção literária uma linguagem muito seca, administrativa e desprovida de emoções que faz (assustadoramente) lembrar aquela que nos é solicitada nos Contact Centres.
Ele usava-a para criar o efeito de alienação que se sente nos seus livros e nós? Usamo-la para quê afinal? Para eliminar barreiras entre o cliente e a empresa?
Nem todas as empresas são assim certamente (apesar de ter trabalhado numas tantas que o eram efectivamente e conhecer as experiências de outras pessoas que trabalham ou trabalharam noutras e que relatam o mesmo), nem todos os chefes de equipa são maus; existem sempre as excepções à regra. Fica material para a reflexão.
“Wir sind auf Alles programmiert,
Und was du willst wird ausgeführt”
“Estamos programados,
Para fazer aquilo que quiserem”
(Die Roboter - Kraftwerk)
3 comentários:
Um artigo muito bom, pouco mecanizado.
Todos têm o direito a pertencer a alguns sentimentos, alguém ou alguma coisa!
Devemos apenas assegurar que cada um siga a sua visão.
Abc
Excelente visão da era callcenter..
..parece q me esqueci de entretanto deixar o meu comentário de saudação pelo vosso blog, q é verdadeiramente um delicia de ler, y ovar este arigo q é particularmente inspirado..
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